GOVERNO TRANSFERE R$ 83,9 MILHÕES DO BOLSA FAMÍLIA PARA INVESTIR EM PROPAGANDA.
Fonte: Estadão
O governo federal retirou R$
83,9 milhões que seriam usados no programa Bolsa Família para
destinar à Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência (Secom). A
medida atinge os recursos previstos para a região Nordeste do País e
causou críticas no Congresso por ocorrer durante a pandemia
do coronavírus, quando muitas famílias estão sem fonte de renda. O
dinheiro será utilizado para comunicação institucional, ou seja, para fazer
publicidade das ações da gestão de Jair Bolsonaro.
A
portaria que prevê a transferência dos recursos do Orçamento foi publicada na
edição desta terça-feira, 2, no Diário
Oficial da União (DOU). O ato foi assinado pelo secretário
executivo do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. Segundo técnicos
do Congresso, como não há recurso extra, apenas realocação dentro do Orçamento,
não é preciso de aval dos parlamentares. O valor total destinado ao Bolsa
Família no ano inteiro é de R$ 32,5 bilhões.
Procurado,
o Ministério da Cidadania informou que o pagamento do benefício está garantido (leia nota abaixo).
A justificativa da pasta é de que a maior parte das famílias inscritas no
programa recebeu, em abril, o auxílio emergencial de R$ 600 do governo
pago durante a pandemia do novo coronavírus. Como não podem acumular
benefícios, o repasse do Bolsa Família para estas pessoas foi
suspenso, o que, então, teria gerado a “sobra” de recursos. Ainda há, no
entanto, uma fila de 430 mil famílias esperando para entrar no programa.
Para
comparação, os R$ 83,9 milhões transferidos para Secom bancar publicidade
institucional dariam para comprar 1.263 respiradores hospitalares –
ao custo de R$ 66,4 mil cada, um dos preços que o governo federal pagou em
compras da Saúde. Ou ainda 856.164 mil testes tipo RT-PCR para
detectar a infecção pelo novo coronavírus em pacientes – o preço unitário foi
de R$ 98.
A
Secom já gastou R$ 17,8 milhões com propaganda durante a pandemia
do novo coronavírus. Os recursos estão sendo utilizados para divulgar
peças publicitárias com o mote de que é preciso “proteger vidas e empregos”.
Depois do fracasso com a campanha “O Brasil não pode
parar”, vetada judicialmente, a secretaria e o presidente também
adotaram a frase “ninguém fica para trás”.
A
campanha institucional da Secom é diferente da produzida pelo Ministério
da Saúde para fins de utilidade pública, que tem objetivo de passar
orientações sobre a doença covid-19 e o novo coronavírus, bem como
recomendações de higiene, etiqueta e distanciamento social e até convocar
estudantes de Medicina e Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia. O ministério já
gastou R$ 61 milhões e deve ampliar a despesa com produção de mais conteúdo.
O
dinheiro para bancar a publicidade institucional do governo Bolsonaro tem saído
do orçamento de “Enfrentamento da Emergência de Saúde Nacional”, de dois dos
ministérios mais envolvidos em ações diretas para atendimento à população,
Saúde e Cidadania. A Secom centralizou a produção das peças publicitárias.
A
campanha é feita pela agência Calia Y2, sem que tenha havido uma seleção
interna das propostas das outras agências contratadas pela Secom, a NBS e a
Artplan, como é regra. Isso porque, segundo documentos internos da secretaria,
a Calia propôs a realização da campanha, e o governo aprovou e adotou a
sugestão. Nesse caso, o processo de seleção é dispensado, conforme previsto nas
normas da secretaria.
Na
terça-feira, relatório produzido pela Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) do Congresso apontou que governou veiculou 2 milhões
de anúncios em canais com conteúdos considerados “inadequados”. A lista inclui
páginas que disseminam fake news, propagam jogos de azar ilegais e até
sites pornográficos.
A
Secom disse que a escolha de onde os anúncios seriam veiculados coube ao
Google, mas a empresa rebateu e informou ser possível bloquear que propaganda
institucional seja publicada neste tipo de site.
Parlamentares criticam realocar recursos em publicidade
Parlamentares
criticaram a realocação dos recursos nesta quinta-feira, principalmente por
envolver dinheiro que seria destinado à população de baixa renda. “É importante
lembrar que isso acontece no momento de aumento da fila do Bolsa Família,
ao mesmo tempo que pairam sobre a Secom denúncias de mal uso de suas verbas
para a propagação de fake news e mensagens e ódio”, disse a
deputada Tabata Amaral (PDT-SP) ao Estadão/Broadcast.
O
líder do Novo, deputado Paulo Gamine (RJ), classificou a medida como
“imoral”. “No meio a uma crise onde os brasileiros estão perdendo emprego,
renda e a extrema miséria vem crescendo no País, é preocupante ver o governo
preocupado com publicidade institucional”, disse. Ele afirmou ainda que o
recurso da Secom foi reduzido de R$ 273 milhões para R$ 73 milhões na votação
do Orçamento para 2020. “Nós reduzimos esse gasto e agora o governo que
recompor esse valor. A que custo? Para que?”, afirmou.
A
deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) criticou a ação no plenário da
Câmara. “Tirar R$ 83 milhões da boca de famílias pobres para fake news é
crime”, disse ela.
“Enquanto
tivermos pessoas sofrendo na fila do Bolsa Família ou do Auxílio Emergencial,
qualquer redução no orçamento do ministério da Cidadania é questionável. Mais
ainda quando o recurso acaba direcionado para comunicação”, afirmou o
senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
O Estadão revelou
em março que a região Nordeste, que teve recursos do Bolsa Família transferidos
nesta quinta-feira, só recebeu 3% dos novos benefícios concedidos no mês de
janeiro de 2020. Por outro lado, Sudeste e Sul foram priorizadas nas novas
concessões e reuniram 75% dos benefícios liberados no primeiro mês deste ano. O
Tribunal de Contas da União avalia se houve irregularidade.
Questionado
sobre as 430 mil famílias que ainda aguardam para ingressar no programa, o
secretário especial do Desenvolvimento Social, do Ministério do Cidadania,
Sérgio Queiroz, respondeu que não há que se falar em fila. “Após a entrada em
vigor do auxílio-emergencial, todas as pessoas do cadastro único que se adequam
às exigências da lei do auxilio, foram contempladas”, disse
ao Estadão/Broadcast. Pela regra vigente, no entanto, o benefício de R$
600 será pago por apenas três meses.
O Ministério
da Cidadania, responsável pelo Bolsa Família, enviou nota sobre a transferência
de recursos do programa assistencial para a Secretaria de Comunicação do
Governo, mas não esclareceu o motivo para a realocação do recurso.
“A
folha de pagamento do Programa Bolsa Família (PBF), no mês de abril, foi
custeada em 95% por recursos do auxílio emergencial. Naquele mês, 13.566.568
famílias beneficiadas com o PBF receberam o benefício. Em abril foram destinados
às famílias mais de R$ 15 bilhões”, diz a pasta comandada por Onyx Lorenzoni.
“É
importante destacar que o auxílio emergencial destinou às famílias do PBF, na
Região Nordeste, mais de R$ 7,7 bilhões, em abril, o que beneficiou a 6.851.543
famílias”, conclui o ministério.
O Ministério
da Economia, também em nota, reforçou que não faltarão recursos para os
atuais beneficiários do programa, sem esclarecer o motivo de destinar R$ 83,9
milhões para publicidade institucional.
Leia abaixo a íntegra da nota da pasta comandada por Paulo
Guedes:
“Sobre o remanejamento de dotações
orçamentárias por meio da Portaria nº 13.474, de 2 de junho de 2020, que
suplementou a Presidência da República em R$ 83,9 milhões, o Ministério da
Economia esclarece:
Nenhum beneficiário do Programa Bolsa Família foi prejudicado no
recebimento de seu benefício e, com a instituição do Auxílio Emergencial no
âmbito do coronavírus, a maioria teve benefícios superiores. De acordo com o
Ministério da Cidadania, a legislação não permite que sejam pagos os dois
benefícios para os mesmos beneficiários, concomitantemente. Portanto, esse
espaço orçamentário pode ser utilizado para atendimento de outras despesas da
União, o que justifica o cancelamento citado na referida Portaria.
O pedido de reforço da dotação para a Secretaria Especial de
Comunicação Social – SECOM, solicitado pela Presidência da República, foi
aprovado pela Junta de Execução Orçamentária – JEO. Ele vai recompor o
orçamento que foi reduzido durante a apreciação do Projeto de Lei Orçamentária
2020 no Congresso Nacional. Esta recomposição está autorizada pelo art. 4º,
caput, inciso V, da Lei nº 13.978, de 17 de janeiro de 2020 (LOA 2020).
Cabe ainda citar que, após a execução orçamentária e financeira
do primeiro mês do Auxílio Emergencial observou-se que, em abril,
aproximadamente 95% dos beneficiários do Programa Bolsa Família se qualificaram
para receber o Auxílio Emergencial em substituição ao PBF. Desse modo, ocorreu
forte redução na execução da dotação dessa ação, caindo de uma média mensal em
torno de R$ 2,5 bilhões para R$ 113,1 milhões, conforme abaixo:
Janeiro/2020 – R$ 2.476.039.000,00
Fevereiro/2020
– R$ 2.470.677.819,00
Março/2020
– R$ 2.530.838.900,00
Abril/2020
– R$ 113.137.782,00
Por fim, em função das restrições orçamentárias, dos recursos
que não serão utilizados do Programa Bolsa Família, R$ 11,4 milhões já foram
utilizados para ampliar as dotações do Sistema Nacional para Identificação e
Seleção de Público-Alvo para os Programas Sociais do Governo Federal – Cadastro
Único. Outros valores serão utilizados em despesas prioritárias nos próximos
meses. Estes remanejamentos serão implementados em acordo com as projeções do
Ministério da Cidadania de forma a que não haja prejuízo aos beneficiários do
Programa Bolsa Família.
Ministério da Economia
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