“DE RETROCESSO AO ABSURDO”: COMO SERIA O PIAUÍ SE FICASSE SÓ COM 155 MUNICÍPIOS?
O
presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da Economia Paulo Guedes
entregaram ao Congresso Nacional um pacote de medidas que propõe a
reestruturação do Estado brasileiro, através da PECs como a do Pacto
Federativo. Dentre as propostas, a mais polêmica é sobre a fusão de municípios
com população inferior a 5 mil habitantes e arrecadação menor do que 10% da
receita total. A proposta que mexe com arranjos políticos locais deverá
encontrar resistência nas duas casas. O OitoMeia conversou com
parlamentares do Piauí no Congresso e traz diferentes visões sobre o assunto.
Sertão
do Piauí (Foto: Flickr/Otavio Nogueira)
A
sugestão de mudança na legislação que consta na PEC 188/2019 poderá afetar pelo
menos 1253 municípios brasileiros, isto é aqueles que têm menos que cinco mil
habitantes. Já segundo o levantamento divulgado pelo site Poder360, o número
cai para 769, quando soma-se os dois critérios: não arrecadação de 10% da
receita própria e número de habitantes abaixo dos cinco mil.
A
aprovação da medida resultaria na dissolução de quase 20 mil cargos entre
prefeitos, vice-prefeitos, funcionários das prefeituras, vereadores e
funcionários das câmaras de vereadores. O levantamento foi feito com base nos
dados do Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público
Brasileiro), órgão do Tesouro Nacional que reúne as receitas informadas pelas
prefeituras municipais.
Piauí será um dos mais afetados
O
Piauí é o terceiro estado brasileiro mais afetado com a proposta. Se aprovada,
69 municípios serão extintos somando uma população de mais de 258 mil pessoas.
O que contabiliza uma redução de 138 cargos no executivo municipal, além de
aproximadamente 621 cargos de vereador. O Piauí fica atrás apenas dos
estados de Minas Gerais com 188 cidades em riscos de extinção e o Rio Grande do
Sul com 74.
O
presidente da Associação Piauiense de Municípios (APPM), Jonas Moura, em entrevista
ao OitoMeia na tarde da última sexta-feira (08/11), por telefone,
teceu críticas à PEC. Segundo ele, a principal forma de impulsionar a economia
dos pequenos municípios é através de uma reforma no código tributário.
“É um prejuízo. Os municípios, mesmo os pequenos, são quem
resolvem os problemas da população. Não é extinguindo que vai melhorar. Acho
que este assunto chama atenção e facilita a troca por outro assunto da reforma,
ou seja, tiram-se os municípios e aprovam o restante. A melhor forma de
estimular a economia é reformando o código tributário dos municípios”, opinou
Jonas Moura.
Prejuízos políticos para deputados e senadores
O
objetivo do Governo Federal é reduzir os gastos públicos e aumentar a
capacidade de investimento de estados e municípios. O que foi relatado
ao OitoMeia, por unanimidade, pelos parlamentares do Piauí é que a
proposta não traz melhorias para a economia local. Ao contrário, os
parlamentares acreditam que deixar os recursos com os chamados “municípios
mãe”, prejudicaria o desenvolvimento das regiões.
Sertão do Piauí (Foto: Flickr/Otavio Nogueira)
A
pauta não é bem recebida no Congresso Nacional principalmente porque mexe com
as bases políticas regionais. Muitos dos prefeitos, vice-prefeitos, vereadores,
e população que tem emprego em órgãos ligados ao executivo municipal são
aliados e atuam como uma espécie de “cabos eleitorais” dos parlamentares que
eleitos e que hoje integram o Congresso Nacional. Perder território e
consequentemente, capital político, num ano que antecede as eleições
municipais, não é de interesse do legislativo e dificilmente será.
No
entanto, a proposta é vista como positiva pelo Governo porque reduz despesas, o
que os membros do executivo chamam de reorganização das contas públicas. Mas,
ganha notoriedade como uma pauta cara ao legislativo e para a população que
teme e visualiza antes de tudo a possibilidade de perder os empregos e
consequentemente, renda, gerados pelas prefeituras, câmaras de vereadores e
secretarias.
Possibilidade de apoio popular
O
ex-deputado estadual e comentarista político Leal Júnior falou que acredita na
possibilidade da pauta ser bem aceita pela população. Já que, para ele, há um
desgaste na relação entre gestores municipais e o povo. Embora, ressalte que houve
melhorias nos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) de áreas emancipadas.
“Entendo que vai ser muito difícil ocorrer essa redução
politicamente. Essa proposta pode até ter boa aceitação na opinião pública, em
razão do desgaste de gestores municipais e a partir da avaliação de que há
muitos gastos com a estrutura e poucos resultados positivos. De modo geral, a
imagem dos gestores não é boa. Vale a pena ressaltar que foram feitos estudos
que apontaram, por exemplo, que no Piauí, houve uma melhoria do IDH destas
regiões emancipadas”, pontuou Leal Júnior.
Dentre
os relatos, deputados e senadores informaram ao OitoMeia que não
enxergam um lado bom na proposição. Para eles, além dos desgaste político, o
Piauí sairia prejudicado e sem mudanças significativas na economia e capacidade
de investimento regional. Ao mesmo tempo, que a medida atua como “gambiarra” no
Executivo Federal e recursos da União, pode interferir na estrutura social da
cidade que perde ocupação e movimentação na economia.
Se
aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a medida passar a valer a
partir das eleições de 2026. Embora as chances de aprovação sejam mínimas,
Bolsonaro disse que vai consultar o povo e só assim, a alteração na
Constituição entrará em vigor.
Veja o que pensam os parlamentares do Piauí no Congresso
Nacional:
Deputada federal Margarete Coelho
(Progressistas)
“Eu acho um retrocesso, nós não
podemos advogar nessa causa de forma nenhuma, causando prejuízos aos que moram
nos locais mais distantes das capitais, pelo contrário, nós estamos nos opondo
a ela, estamos firmes para enfrentá-la, combatê-la aqui nesta casa do povo. Se
a ideia é fortalecer os municípios, nós não podemos extinguir, e sim, temos que
chegar com serviços públicos levando direitos e cidadania, ou seja, encurtando
as distâncias das pessoas que moram distantes dos grandes centros. Estaremos
firmes ao lado dos municípios. Esse momento deve ser de muito trabalho e de
muita união em favor das cidades piauienses e de todo o país”.
Deputado federal Assis Carvalho(PT)
“Pessoalmente, estarei lutando
contra esse absurdo. A quantidade de municípios criados no Brasil, não foi
criada por nós da esquerda, mas no momento em que os mesmos que estão no
governo Bolsonaro, estavam dirigindo essa nação. Eu não tenho dúvida nenhuma de
que os municípios melhoraram, chegou o calçamento, a água, a estrada, unidades
de saúde, escolas. Está provado que os pequenos municípios passaram a receber
mais benefícios depois dessa emancipação. Espero que aquele Congresso não
aceite mais essa provocação do governo Bolsonaro. Meu voto é contra”.
Deputada federal Rejane Dias (PT)
“É uma proposta que está no
nascedouro. Existe um texto em forma de Emenda à Constituição e é preciso criar
ainda uma Comissão Especial para analisar exaustivamente cada impacto da
matéria. A meu ver, é uma medida que pode ampliar as desigualdades. Quem propõe
algo dessa natureza não conhece a realidade dos municípios, a pobreza, a
distância entre um município e outro, os serviços públicos que são essenciais.
É claro que a medida trará impacto direto na prestação de serviços para a
população.Em alguns casos o povo vai ficar 50, 60 quilômetros longe da sede do
município. Nós temos é que, ao contrário, encontrar formas de valorizar os
pequenos municípios para que eles cresçam”.
Deputada federal Iracema Portela
(Progressistas)
“Acredito que existem meios de tornar as cidades mais
sustentáveis. Existem problemas, sim, mas extinguir os municípios como se a
questão fosse apenas financeira me parece uma solução simplista e que vai gerar
novas complicações no futuro. Eu acompanho o posicionamento do Progressistas, que
é contra essa medida. Vamos nos mobilizar e trabalhar para que esses municípios
não sejam extintos”.
Deputado federal Júlio César (PSD)
“Eu sou contra. Acho que isso
vai dar uma complicação para os habitantes desses municípios. Vai diminuir e
muito os investimentos, atendimentos aos pleitos do povo porque os recursos vão
ficar com os municípios mãe e não voltará na totalidade, vai voltar muito
menos. É algo que diminui os investimentos dos municípios”.
Deputado federal Marcos Aurélio Sampaio
(MDB)
“Totalmente contra essa
redução”.
Deputados federais Átila Lira
(Progressistas), Dra Marina (SDD), Flávio Nogueira (PDT) e Paes Landim (sem
partido) foram contactados pelo OitoMeia, mas não enviaram resposta.
Senador Marcelo Castro (MDB)
“Eu entendo, como o parlamentar
do Piauí que mais criou municípios no estado, que todas as leis que temos na
Assembleia são da minha lavra, que é uma proposta descabida, estapafúrdia,
inoportuna e própria de quem não tem vivência da realidade nacional”.
Senador Elmano Férrer (Podemos)
“Essa é uma questão polêmica.
As demais devem ter consenso. Mas nada é impositivo e tudo está para ser
discutido. Vamos ter a liberdade de discutir com a sociedade”.
Senador Ciro Nogueira (Progressistas)
“Totalmente contra. É um
matéria que não tem a menor possibilidade de prosperar na sua aprovação lá no
Congresso Nacional”.
FONTE:
OITO MEIA
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