BOLSONARO NÃO PREVÊ NOVOS ATENDIDOS PELO BOLSA FAMÍLIA EM 2020
O
Ministério da Cidadania argumentou que a cobertura do programa tem que ser
compatível com o Orçamento
THIAGO
RESENDE - BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Não há a previsão de novos beneficiários no Bolsa Família em 2020,
segundo documento do governo de Jair Bolsonaro enviado à Câmara.
O Ministério da Cidadania argumentou que a cobertura do programa tem que
ser compatível com o Orçamento.
O governo, "ao calcular suas despesas [com o Bolsa Família] para
2020, não incluiu novas famílias beneficiárias em suas projeções", revela
o ofício.
O projeto de Orçamento elaborado pela equipe econômica reservou R$ 29,5
bilhões para o programa no próximo ano -menos que os R$ 32 bilhões de 2019 e
sem a previsão do 13º para beneficiários, prometido pelo presidente.
A expectativa é que 13,2 milhões de famílias sejam atendidas em 2020.
Essa é a mesma cobertura registrada em novembro, após os sucessivos
enxugamentos do Bolsa Família promovidos por Bolsonaro.
O ministro Osmar Terra (Cidadania) disse que o número de beneficiários é
um processo dinâmico. "Todo dia entra e sai gente do Bolsa Família."
Dados obtidos pela Folha de S.Paulo, porém, mostram o ingresso caiu a
patamares extremamente baixos sob Bolsonaro.
Até maio, 220 mil famílias, em média, conseguiam o benefício por mês. Em
junho, caiu para 2.500, e o patamar tem se mantido baixo.
É a primeira vez na história do programa que o número de ingressantes
ficou tanto tempo abaixo de 10 mil famílias.
Reportagem publicada pela Folha em outubro mostrou que, por falta de
dinheiro, o governo começou a barrar a entrada de novas famílias.
A Câmara, então, pediu esclarecimentos ao Ministério da Cidadania. A
pasta apresentou a resposta fora do prazo e sem responder aos questionamentos
sobre a fila de espera.
Integrantes do governo dizem, sob sigilo, que cerca de 700 mil famílias
aguardam para entrar no programa de transferência de renda, mas oficialmente o
governo não informa os números e onde está a maior parte do problema.
Criado em 2004, o programa atende a pessoas extremamente vulneráveis:
que vivem em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 89
mensais, e pobreza, com renda entre R$ 89,01 e R$ 178 por mês. O benefício
médio atual é de R$ 191,08.
A fila de espera se forma quando as respostas demoram mais de 45 dias.
Esse prazo vinha sendo cumprido desde agosto de 2017.
Aos deputados o governo se recusou -mais uma vez- a fornecer dados sobre
o enxugamento do Bolsa Família e indicar uma solução para o fim da fila. Pela
Lei de Acesso à Informação, o ministério também não responde.
Apesar da negativa, a oposição na Câmara apresentou mais um requerimento
para que o governo dê esclarecimentos sobre o programa.
"A recusa em fornecer a resposta, seu não atendimento ou o
fornecimento de informações falsas, importa em crime de responsabilidade",
diz o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), autor do primeiro pedido que teve a
chancela da Casa.
Um dos argumentos usados pelo governo para não prestar as informações é
que o primeiro pedido se referia ao número de pessoas na fila de espera, em vez
de número de famílias, como é a medição de atendimento do programa.
O Ministério da Cidadania não responde aos questionamentos feitos desde
outubro.
A cobertura prevista para 2020, de 13,2 milhões de famílias, seria a
menor desde 2010, quando, em média, 12,8 milhões de casas foram beneficiadas.
Portanto, o Bolsa Família deve recuar a patamares vistos dez anos antes.
Parlamentares poderão alterar o projeto de Orçamento do próximo ano e
tentar ampliar a cobertura.
O programa é reconhecido internacionalmente como ação efetiva no combate
à pobreza e extrema pobreza.
Em maio, a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico), espécie de clube de países ricos, recomendou que o país invista
mais no Bolsa Família e aumente o limite de renda para que as pessoas se
enquadrem no programa.
No mesmo mês, o Bolsa Família atingiu o recorde de cobertura, com 14,3
milhões de famílias atendidas. Desde então, só são registrados recuos.
Diante dos problemas, a oposição apresentou um projeto de lei para
alterar as regras do programa.
Uma das ideias é que, após a aprovação do benefício, o valor seja devido
desde o momento do pedido, e não apenas da hora da concessão. Além disso, o
primeiro pagamento seria em até 45 dias, forçando uma resposta à solicitação.
Isso evitaria que o governo deixasse a fila de espera se formar para atrasar
despesas com a população mais pobre.
A proposta do PSOL prevê ainda que os critérios que definem pobreza e
extrema pobreza sejam atualizados todos os anos com base na inflação.
No pacote de medidas sociais lançado no mês passado pelo presidente da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), há também uma proposta para que o benefício do Bolsa
Família seja reajustado acima da inflação anualmente.
O governo estuda alterações nos programas sociais, em especial no Bolsa
Família.
Na quinta (28), o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida,
disse que as conversas, porém, ainda estão limitadas ao entorno de Bolsonaro e
que a ala econômica ainda não foi consultada sobre possíveis mudanças.
Almeida considera o Bolsa Família um dos programas mais eficazes do país
e defende a ampliação das transferências a famílias de baixa renda.
Uma alternativa sugerida por ele é que uma parte do orçamento para o
abono salarial (cerca de R$ 20 bilhões em 2020) seja destinada ao Bolsa
Família. O abono é uma espécie de 14º salário pago pelo governo a trabalhadores
com carteira assinada e renda de até dois salários mínimos.
A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) tem a avaliação de que, por
o abono ser voltado a pessoas já empregadas, a medida tem efeito social menor
que o Bolsa Família.
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apresentou uma
proposta de criar um novo sistema de proteção social no Brasil, ao fundir
quatro iniciativas: Bolsa Família, salário-família, abono salarial e revisão da
dedução no Imposto de Renda.
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