CONTRA O CORONAVÍRUS, CIENTISTAS APOSTAM EM REMÉDIO QUE TRATOU A MALÁRIA.
FOTO - MIGUEL MEDINA - AFP
Enquanto laboratórios correm para desenvolver medicamentos biológicos e
outras terapias de última geração, uma droga da década de 1940 é a aposta dos
Estados Unidos para tratamento de pacientes de Covid-19. A cloroquina, remédio
originalmente desenvolvido para malária, pode receber o aval da Food and Drug
Administration (FDA), o órgão de vigilância sanitária norte-americano, para a
nova indicação. Ao menos três estudos científicos indicam a ação da substância
tanto em laboratório quanto em pacientes humanos. Um deles, inclusive, sugere
que ela pode prevenir contra o novo coronavírus.
O presidente Donald Trump chegou a dizer aos jornalistas, ontem, que a
droga já estava aprovada para tratar pacientes de Covid-19. “Poderemos disponibilizar
esse medicamento quase imediatamente. Já passou pelo processo de aprovação, foi
aprovado. Reduziram muito o tempo, muitos meses”, afirmou. Porém, ele foi
corrigido por Stephen Hahn, comissário de alimentos e medicamentos da FDA pouco
depois. Hahn esclareceu que a cloroquina está sendo testada, entre outros
remédios, pelo órgão. Mas ressaltou a prioridade à substância. “Essa é uma
droga que o presidente nos ordenou a examinar mais de perto.”
O extrato da cloroquina, substância retirada da casca de uma árvore, era
usado por indígenas peruanos para tratar febre no século 16. Por destruir o
Plasmodium falciparum, protozoário causador da malária, passou a ser usada com
esse fim quando foi introduzida na Europa. O medicamento foi substituído por
drogas mais potentes, porque o patógeno se tornou resistente, mas vem sendo
testado como antiviral, quando associado a outros medicamentos. Para HIV e
hepatite C, a substância não demostrou atividade. Porém, testes in vitro (no
laboratório) com a cloroquina mostraram que a substância “é altamente efetiva”
no controle da infecção, segundo um estudo do Instituto de Virologia de Wuhan —
a cidade chinesa onde a pandemia começou — publicado na revista Nature Cell.
O medicamento foi testado também em pacientes com Covid-19 na China, na
Coreia do Sul, no Japão e na Austrália. Há uma semana, pesquisadores da
Universidade de Columbia publicaram, on-line, um apanhado sobre resultados
obtidos pelos dois primeiros testes em pessoas infectadas. O estudo informa que
“o uso de tabletes de cloroquina está mostrando resultados favoráveis em
humanos infectados com o coronavírus, incluindo tempo mais rápido de
recuperação e internações mais curtas”. Além disso, os autores citam um estudo
do Centro de Controle de Doenças norte-americano (CDC) segundo o qual “a
cloroquina tem um potencial forte como medida profilática (preventiva) contra o
coronavírus em laboratório, enquanto esperamos pelo desenvolvimento de uma
vacina”. O teste do CDC foi feito em células de primatas não humanos.
Um terceiro estudo indicou que, combinada ao antiviral remdesivir, a
cloroquina inibiu a ação do Sars-Cov-2 in vitro. “Além da atividade antiviral,
a cloroquina tem uma atividade imunomoduladora, o que pode sinergicamente
elevar o efeito antiviral in vivo. A cloroquina é uma droga segura e barata que
tem sido usada por mais de 70 anos e, portanto, é potencialmente aplicável
clinicamente contra o Sars-Cov-2”, concluíram os pesquisadores da Universidade
de Qingdao, em um artigo publicado na revista BioScience Trends.
Curso encurtado
O artigo cita 15 estudos clínicos, feitos em pacientes de Covid-19, em
mais de 10 hospitais em Wuhan, Jingzhou, Guangzhou, Pequim, Shangai, Chongqing
e Ningbo. “Até agora, resultados com mais de 100 pacientes demonstraram que o fosfato
de cloroquina é superior ao tratamento de controle, inibindo a exacerbação da
pneumonia, melhorando os pulmões nos exames de imagem, promovendo uma conversão
vírus-negativo (o que demonstra a ausência viral no organismo), e encurtando o
curso da doença”, destacou o trabalho.
Contudo, trata-se de pesquisas feitas com números pequenos de pacientes,
e em ambientes monitorados por profissionais de saúde. Usar o medicamento
inadvertidamente pode trazer mais prejuízos do que a própria infecção viral. “A
Sociedade Brasileira de Infectologia recomenda que nenhuma medicação, como
lopinavir-ritonavir, cloroquina, interferon, vitamina C, corticoide etc., seja
usada para tratamento de pacientes com Covid-19 até que tenhamos evidência
científica de sua eficácia e segurança”, ressalta, em nota, a SBI. “Algumas
delas, como o corticoide, já demonstraram que podem piorar a evolução de outras
viroses respiratórias, como na gripe. Essa recomendação pode mudar à luz de
novos conhecimentos científicos, especialmente porque vários estudos clínicos estão
em andamento.”
Vacina em até 18 meses
As multinacionais da indústria farmacêutica se comprometeram, ontem, a
dispor de uma vacina contra a Covid-19 entre 12 e 18 meses. Dezenas de ensaios
clínicos estão em andamento para ajustar kits de detecção menos caros e mais
precisos, assim como um tratamento ou uma vacina capaz de combater o
coronavírus. No entanto, os laboratórios alertam que tanto produtores quanto as
autoridades de controle não podem comprometer a segurança de uma potencial
vacina e, portanto, não se pode acelerar o cronograma de ensaios clínicos e o
estudo dos resultados.
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