COVID:MANDETTA PREVÊ MAIO E JUNHO 'DUROS' E QUER FALA ÚNICA NO GOVERNO
Ministro afirmou que
"maio e junho serão os meses mais duros" da pandemia de Covid-19.
Na tarde deste domingo (12), o
ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta deu entrevista ao repórter Murilo
Salviano, do Fantástico. De Goiânia, no Palácio das Esmeraldas, sede do governo
goiano, Mandetta falou sobre os meses que virão, o que projeta para frente e a
relação com o presidente Jair Bolsonaro. Confira:
Luiz Henrique Mandetta: É isso. Eu vim aqui hoje, minha
família, eu e minha esposa, estamos sem os filhos, sem meu pai, minha mãe. Em
nome das nossas famílias, eu cumprimento todas as famílias brasileiras e a
família do jornalismo do Fantástico nesse domingo de Páscoa tão atípico para
todos nós.
O senhor sempre dá orientações para os brasileiros, sobre os
cuidados a serem tomados. Na vida pessoal do senhor, que cuidados o senhor tem
tomado?
Mandetta: Dentro do Ministério da Saúde, como a equipe é
uma equipe que está trabalhando comigo, muito já formada, muito bem
distribuída, a nossa distância entre um e outro é de 2,5 a 3 metros, em
qualquer circunstância. Até agora, nós não tivemos nenhum colaborador nosso que
tenha tido a gripe, a virose.
É um cuidado muito grande, uma saudade muito grande do meu
neto, dos meus filhos que estão em Mato Grosso do Sul, do meu pai, da minha
mãe. Esses eu falo com eles normalmente, por telefone, vendo as imagens. Uma parte
que é dura para todo mundo. A gente também tem feito esse exercício de
distanciamento de quem gosta, de quem ama a pessoa, e que sabe que nesse
momento temos que ficar distante para proteger. Acho que no dia a dia não é
diferente do que cada brasileiro está passando para tentar passar por isso
junto. Quando a gente protege a família da gente, a gente está protegendo a
família de todo mundo.
Já teve algum momento de fragilidade
durante essa crise?
Mandetta: Acho que sim. Às
vezes a gente também se pega profundamente emocionado quando um neto pergunta
por que não está indo vê-lo. Às vezes você fica um pouco emocionado, a voz fica
um pouco embargada, mas você respira fundo.
Ministro, vamos aos números aqui.
Neste feriado da Semana Santa, o Brasil ultrapassou a marca de mil mortes por
coronavírus. Qual a expectativa do senhor para esta próxima semana?
Mandetta: Primeiro, nós sabemos
que esses números estão subestimados. Dentro do que a gente pensava lá no
início, em fevereiro, fazendo simulações com outros países, fazendo adequações
pro nosso clima, mais ou menos a gente sabia que chegaria na primeira quinzena
de abril a aproximadamente com esses números. Sabemos também desde o início que
fizemos a projeção que a segunda quinzena de abril seria a quinzena que
aumentaríamos e que o mês de maio e junho seriam os meses de maior estresse pro
nosso sistema de saúde. Nós estamos agora vivendo um pouco do que fizemos duas
semanas pra trás. Se iniciarmos precocemente uma movimentação, nós vamos voltar
a ter aquele mesmo padrão do início aonde você tinha dia após dia um aumento do
surgimento de brotes epidêmicos. A gente imagina que os meses de maio e
junho serão os sessenta dias mais duros para as cidades. A gente tem
diferentes realidades. O Brasil a gente não pode comparar com um país pequeno,
como é a Espanha, como é a Itália, a Grécia, Macedônia e até a Inglaterra. Nós
somos o próprio continente. Sabemos que serão dias duros. Seja conosco ou
qualquer outra pessoa. Maio, junho, em algumas regiões julho, nós teremos dias
muito duros.
O que são dias muito duros?
Mandetta: Dias duros. Dias em
que nós seremos taxados de “olha, vocês não fizeram o que tinham que fazer, por
isso o sistema está entrando em colapso. Olha, vocês deveriam ter sido mais
duros, menos duros, porque a economia está assim, está assado”. Sempre
haverá engenheiros de obra pronta. Pessoas que depois que você trabalha, que
faz o possível e o impossível para enfrentar a situação, que depois da situação
passada fala “ah não, mas isso deveria ter sido feito assim ou assado”.
Nós teremos uma confrontação entre o
que somos e para onde queremos ir constante nesses meses que temos pela frente.
Serão dois a três meses de muito, muito questionamento das práticas de todos. E
obviamente que o Ministério da Saúde vai ser o ministério mais questionado.
Essas semanas agora o comportamento
da sociedade é que dita. Esse vírus, a história natural dele, como ele vai
se comportar aqui, quem vai escrever essa história é o comportamento da
sociedade, não é a polícia, o decreto. É como cada um de nós brasileiros
vamos ter a consciência do cuidado individual, sendo o responsável pelo cuidado
coletivo. Ele é uma coisa muito mais de como vamos encarar essa relação da
dinâmica social e do sistema de saúde, da capacidade de atender.
Quantos casos de coronavírus são
estimados para o Brasil neste ano?
Mandetta: Esse número muda muito
ao sabor de como a gente vai se comportar. Se não fizermos absolutamente nada e
tivermos como se nada estivesse acontecendo, se a gente falar assim: vamos
todos trabalhar, deixa só quem tem mais de 60 anos em casa, como o país vai
lidar com isso... Você tem de números menores, você tem cenários extremamente
otimistas e tem cenários extremamente pessimistas. A gente tem a projeção, mas
sabe que isso tudo é em função do comportamento das pessoas. Não existe
absolutamente nada que influencie mais essa resposta do que como que a
sociedade brasileira vai se comportar no próximo mês e dias.
Nós não experimentamos no Brasil até
agora o lockdown, o fechamento total. Nós estamos com diminuição social,
importante, chegamos a ter uma diminuição expressiva, relaxamos, estamos em
torno de 50%, 55%. Chegamos a ter 70%. Se cada empresário, se cada setor
achar que o dele é essencial e que ele tem que trabalhar, e começar um efeito
cascata, tudo é essencial e tem que funcionar, o Ministério da Saúde vai
mostrar: olha, essa atividade fez isso aqui com cada uma das cidades.
Em várias cidades, como aqui no Rio
de Janeiro, é visível o desrespeito de muitas pessoas, principalmente durante a
semana, às medidas de isolamento social. A que o senhor atribui esse
afrouxamento?
Mandetta: Acho que é um
conjunto, somatória, acho que tem muita gente que gosta da internet, que vê na
internet alguma fake news dizendo que isso é uma invenção de países para
ganharem vantagem econômica. Outras pessoas porque (acham que) existe um complô
mundial contra elas. Como se tivesse alguma solução, com passe de mágica e que
não precisasse que ninguém fizesse sacrifício. Quando você vê as pessoas
entrando em padaria, entrando em supermercado, fazendo filas uma atrás da
outra, encostadas, grudadas, pessoas fazendo piquenique em parque, isso é
claramente uma coisa equivocada.
Ministro, a partir de amanhã o
Ministério da Saúde vai distribuir pros estados mais de um milhão de testes,
entre testes rápidos, PCR. Mas esses testes têm como foco profissionais de
saúde, segurança e seus familiares. Quando é que vai ter, de fato, um teste em
massa da população?
Mandetta: Não existe capacidade
de se fazer uma testagem de 200 milhões de habitantes. E, às vezes, você testa
e ele dá negativo, tem que repetir teste várias vezes. A gente vai trabalhando
basicamente com trabalhadores que são mais importantes no momento. Vamos
testar, principalmente, aqueles que a gente mais precisa que voltem ao
trabalho. Se médico e enfermeira se contaminou e já têm anticorpos, eles
trabalham com muito mais tranquilidade e a gente sabe que não vai mais adoecer daquela
doença. Então esse teste a gente faz primeiro para eles. Também teremos o teste
para o pessoal que é da segurança, que são serviços muito essenciais: agentes
penitenciários, policiais, bombeiros, que precisam dessa informação. Esses são
os dois grupos de trabalhadores.
O problema é que a gente tem hoje um
mercado extremamente concentrado e aquecido que não tem testes suficientes para
o planeta. Se a gente se comprometer a testar todos os brasileiros, não seria
correto frente ao mercado que a gente vê. O planeta Terra inteiro quer o
mesmo produto que nós queremos. O que, portanto, nos faz ter muita cautela
em termos de nos comprometer com se nessa semana teremos ou na outra. O Brasil
é um sistema forte e está tentando atingir um ponto de equilíbrio para os
brasileiros.
Se não tem uma testagem tão ampla da
população, a gente não tem como prever o avanço da doença. A gente está no
escuro?
Mandetta: Não, a gente não está
no escuro, porque mesmo com essa testagem, a gente tem modelos
matemáticos. Com esses exames que nós fazemos, a gente tem modelos
estatísticos, modelos matemáticos que nos permitem dimensionar, qual é o
ritmo, para onde está indo, em que bairro está, em que cidade está, se está se
deslocando, para qual faixa etária, se está internando quem, qual é a
capacidade instalada. Nós temos modelos matemáticos que nos permitem fazer
cálculos muito bons, que nos dão muita informação sem testar 100% das
pessoas. Não tem receita de bolo, o que tem é: o Ministério da Saúde
agrupar isso, e ir mostrando e dizer “tomem cuidado aqueles que estão no nível
mais alto de transmissão”. Aí, cada governador, cada prefeito sabe o que
está fazendo.
O Ministro da Saúde foi cuidadoso ao
falar das atitudes do presidente da República.
Ministro, o senhor tem dito nas coletivas
que médico não abandona paciente. Mas ao mesmo tempo, disse que precisa de paz
para trabalhar, reclamou de solavancos internos. Já houve insinuação de
demissão, o próprio presidente da República não respeita as orientações do
Ministério da Saúde seguidas vezes. Ontem mesmo, o senhor e o presidente foram
até Águas Lindas de Goiás, na região de Brasília, acompanhar a construção de um
hospital de campanha, e na frente do senhor o presidente fez questão de
cumprimentar apoiadores, fazer aglomeração, uma mulher chegou inclusive a
beijar a mão do presidente. Essa relação do senhor com o presidente de alguma
forma constrange o senhor?
Mandetta: Ela preocupa, porque a
população olha e fala: mas será que o ministro é contra o presidente? Não há
ninguém contra nem a favor de nada. O nosso inimigo, o nosso adversário, o
nosso problema é o coronavírus. Esse é o nosso adversário, inimigo. Se eu
estou ministro da Saúde, eu estou ministro da Saúde por obra de nomeação do
presidente. O presidente olha muito também pelo lado da economia. E chama muito
a atenção o lado da economia. O Ministério da Saúde entende a economia, entende
a cultura e educação, mas chama pelo lado de equilíbrio de proteção à vida. Eu
espero que essa validação dos diferentes modelos de enfrentamento dessa
situação possa ser comum e que a gente possa ter uma fala única, unificada. Por
que isso leva para o brasileiro uma dubiedade: ele não sabe se escuta o
ministro da Saúde, se ele escuta o presidente, quem é que ele escuta.
E numa situação como essa, a quem
ouvir?
Mandetta: A gente pode ter uma
disciplina e pedir muita disciplina para as pessoas, por favor. Disciplina
significa faça você também seu sacrifício, para que a gente possa bloquear o
máximo possível. Eu não posso chegar e falar assim: essa pessoa está
fazendo isso aqui, isso é certo, isso é errado. Eu estou dizendo qual é o
caminho: vamos por aqui. Se você vai ao médico e ele diz que não coma doce
porque você é diabético, tem pessoas que comem doce sistematicamente mesmo
sendo (diabético). A gente pode dizer pra ela: você vai ter problema, o
seu rim vai parar, você pode ter deficit de visão, amputação de perna, e a
pessoa continua comendo doce. Mesmo que ela tenha todas as complicações, a
gente vai lá para tentar minimizar o problema da visão, do rim, da perna.
A gente continua com esse doente para
tentar ajudar ao máximo em encontrar um bom caminho para a gente superar isso
que pode ser no Brasil uma coisa superável com menos ou mais intensidade de
estresse para a nossa sociedade. Infelizmente não vai ser num toque de mágica
que vamos passar por isso. A gente tem que pautar por foco, disciplina,
ciência e ficar muito firme nesse tripé, e planejamento para que possamos sair
disso juntos.
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